quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Histórias de Cemitério



Visita monitorada ao Cemitério da Consolação mostra principais atrações da arte tumular e surpreende com breve aula de história brasileira.
Por Fernanda Clas e Tamiris Mota
Poucos cenários seriam mais inusitados para estudar história como um cemitério. O “museu a céu aberto”, como é chamado carinhosamente o Cemitério da Consolação, pelo guia Francivaldo Gomes,  recebe cerca de 150 pessoas por mês para uma visita monitorada que ocorre todas as terças e sextas-feiras.
Em uma sexta-feira chuvosa o número de participantes era menor do que o esperado: nós e mais dois participantes fomos guiados por Francivaldo, um cearense que não gosta de ser chamado de professor, mas deu uma aula por seu conhecimento vasto e rico em detalhes sobre a história do Brasil. Foi uma surpresa encontrar uma pessoa tão ávida por conhecimento num cemitério. De sepultador, Francivaldo Gomes, mais conhecido como Popó, se tornou guia do Cemitério da Consolação, revelando as histórias das pessoas que marcaram, de alguma forma, a sociedade brasileira em uma época distante da nossa.
Começamos a visita pelo túmulo da Marquesa de Santos que, segundo documentos históricos, doou quatro contos de réis para a construção da capela que se encontra no cemitério e depois foi reformada num projeto de Ramos de Azevedo. Seguindo a visita, descobrimos que, apesar da aparente elitização do cemitério, a primeira pessoa a ser sepultada ali foi um escravo, em 15 de agosto de 1858. Ali também encontramos o túmulo de Luís Gama, ex-escravo que foi orador, jornalista, escritor e considerado um dos maiores abolicionistas brasileiros. Gama, até os 17 anos era analfabeto, conquistou sua liberdade judicialmente e depois trabalhou na advocacia em favor dos escravos. Seu trabalho, mesmo hoje, não é devidamente reconhecido por conta do preconceito, era muito difícil para época existir um intelectual negro. Em um determinado momento um dos participantes apontou para uma escultura diferente das outras. O guia nos explicou que aquele era o túmulo do Maestro Luigi Chiaffarelli. Ali a musa da música, Euterpe, foi representada por Nicola Rollo chorando a perda do maestro que ensinou Guiomar Novaes, a grande pianista brasileira.
Euterpe, a musa da música, feita por Nicola Rollo (Foto: Fernanda Clas)  

A visita, às vezes, parecia uma conversa, Popó permite muitas intervenções e inclusive incentiva isso. Quando apareciam dúvidas a respeito de algumas celebridades brasileiras falecidas, surpreendentemente, mesmo que a pessoa não estivesse enterrada ali, ele sabia parte de sua história, a data de sua morte e onde jazia a pessoa. Ao ser perguntado sobre suas fontes o guia diz “Quando os familiares, alguns bem 'velinhos', se aproximam eu pergunto ‘O senhor tem algum livro? O seu bisavô deixou algum livro? ’ e quando deixam, eles me dão de presente”. Ele também diz que visitou muitos museus, bibliotecas e, principalmente, andou muito por cemitérios.
Mesmo com os furtos frequentes, percebemos que aquele cemitério guarda objetos com muito mais valor do que os portões de bronze, ou as placas que são levadas, o que existe ali não é de um valor material “Espero que com as últimas divulgações de furtos as autoridades olhem mais para a nossa história... Para o nosso cemitério” diz Francivaldo que se considera no dever de ser um guardião não só do cemitério, mas de toda a história que está contida nele.
As visitas monitoradas ocorrem desde 2001, a iniciativa partiu de Délio Freire dos Santos, advogado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Ao passarmos pelo túmulo do advogado, historiador e estudioso da arte tumular, nosso guia nos explicou que esse era seu “mestre” e que ele foi o pioneiro nas visitações monitoradas aos cemitérios de São Paulo. Depois da sua morte em 2002, quem deu continuidade ao trabalho foi Francivaldo, que afirma que até hoje o Cemitério da Consolação é o único que possui essa proposta. Segundo Popó as pessoas vão a essa visita principalmente para expandir seu universo cultural, e vão de escolas até turistas curiosos.
Encerramos a visita, já passando um pouco do horário combinado, com a estátua “Os Vencedores” de Luigi Brizzolara (de 1921). Francivaldo diz que aquela é a sua escultura favorita, pois se sente representado ali: ele vê seu mestre, o antigo guardião, já ancião, passando a “tocha” das visitas monitoradas a ele, para assim dar continuidade ao seu trabalho.
O guia Francivaldo Gomes, em frente ao seu túmulo favorito. (Foto: Tamiris Mota)



As visitas são gratuitas e  acontecem todas as terças e sextas-feiras, das 9:30 às 11:00 horas e das 14 às 15:30 horas.
Para agendar a visita guiada, envie solicitação para  assessoriaimprensa@prefeitura.sp.gov.br

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